terça-feira, 31 de julho de 2012


não tem kit primeiros socorros
não tem banco flutuante
não tem barco salva-vidas
bote, boia, airbag
nada mais sensato
que ter medo de cair de cabeça no amor




Parei. Tentei imaginar como eu seria se resolvesse todos os meus problemas. Vi outra pessoa. O fato é que cada um tem os problemas que merece. As pedras que vêm com o caminho que escolhemos.

Antes de mais uma noite mal dormida, deitada na cama, fechei os olhos e rezei. Pedi pra o que quer que fosse capaz de me ouvir, supliquei. Implorei por um susto, um choque da cafeteira elétrica de manhã, um prato que se quebrasse sem querer.  Um tombo na rua de alguém que me fizesse rir, ou um tombo meu que me fizesse chorar. Fui mais longe e pedi por um abraço inesperado, por um olhar que se cruzasse com o meu e sorrisse por um instante. Pedi por algo que me fizesse mexer por dentro, pra ter certeza de que não está vazio por lá. 

Foram seus olhos de ressaca que me fisgaram. Ressaca pura, de noite mal dormida tentando esquecer da vida. Pra rir do que te machuca e fazer o que te repulsa. Pra vermelhar os olhos de outra coisa que não lágrimas. Esses olhos fundos que me enxergam, semiabertos. Eu vejo o mundo neles, o mundo onde eu quero ficar. Eu me vejo através deles e me gosto. Refugio-me neles e, quando eles transbordam, lembrando da realidade, é como se a gravidade invertesse e o mundo me repelisse. 

As vezes eu deixo as coisas fora do lugar, as janelas e as cortinas fechadas, o incenso aceso. A bagunça, o perfume e a penumbra preenchendo o vazio, me fazendo companhia.

Eu sinto falta de sentar na grama num dia quente de sol  e de ela responder pra mim, pinicando, fazendo cócegas. Tenho saudades de pés na terra, de afogar os dedos, de pisar macio. De andar nas pedras do rio, da massagem que elas me fazem. De nadar em águas correntes, de ficar por lá, enquanto elas me tiram pra dançar com elas. Do peso da cachoeira nos meus ombros, arrancando de lá todo o resto. De gritar bem alto e de resposta receber os cantos das cigarras. Eu tenho saudade do mundo real, do mundo que vive, que respira e que te recebe. Do mundo escondido debaixo do concreto.


segunda-feira, 30 de julho de 2012


A realidade é bruta. A vida é dura. A verdade é crua. A escolha é sua.

Agora eu entendo, não concordo, mas entendo porque você se deixou levar por tantos anos. Não foi fraqueza, não foi por teimosia, por não querer dar o braço a torcer. Não era esse o problema. Você se deixou levar porque não podia se levar sem ajuda. Agora eu entendo. Não faria, mas entendo. 

Me pergunto quantos anos eu preciso viver os erros dos outros pra saber o que é certo pra mim.

Eu queria não ter que precisar escolher entre ser o que eu sou e ser o que os outros querem de mim.


Podar suas raízes. Deixar as bases e continuar seu caminho como que levitando, em suspensão, a procura de uma nova base pra se apoiar.
Existe essa transição, entre bases, flutuando no espaço vazio. Como uma semente que se desgarra da flor, a procura de terra fértil. A procura de algo que não se sabe o que é, de um lugar que não se conhece. A espera de que algo aconteça, de que um vento ajude. Percebo que o que antes era meu não precisa mais de mim, nem mesmo da minha lembrança, e aquilo  que eu devia conseguir por natureza, talvez não seja pra mim. Quando a força e a vontade se esgotam e a realidade se torna tão absurda que o fechar dos olhos, um sonho, é o único lugar onde encontro sentido pra tudo. O caminho de volta não existe mais. Desistir não é uma opção. Não há o que se alcançar. E a transição se torna mar

Todos nós precisamos dos outros, eu sei. Precisamos de pessoas para fazerem nossas roupas, nossa comida, nossas casas, nossos caminhos, e também companhia. Eu gosto das pessoas. De vê-las nas ruas, ocupadas, andando determinadas como se andassem direto para seus objetivos. De vê-las com a família, amigos, sorrindo, como se nunca tivessem sofrido. Eu sinto falta de pessoas. Mas do que de pessoas, eu sinto falta da ligação que só elas conseguem fazer. Só outro ser humano pra entender um ser humano. Eu preciso de pessoas. Mas existem tantas pessoas, que talvez elas não precisem de mim. A humanidade é tão grande, e o que eu tenho pra oferecer? A falta de pessoas a minha volta me diz: não muito. Queria ser mais humana, acho que quanto mais humano alguém é, menos medo ele tem de ser humano. Parece bobo, mas não é. Eu tenho medo de ser humana, de falhar, de ser chata, de chorar, de depender. Tenho medo de decepcionar. Eu queria alguém que gostasse de mim como a humana que eu sou. Porque além de gostar das pessoas em cena, nas ruas, eu gosto de imaginar no ator por traz delas. Nos motivos, nos anseios. Qual o sentido então do meu medo de ser identificada por elas, enxergada por elas? Tudo isso é porque eu gosto das pessoas, e eu tenho medo que, se eu fechar as cortinas, se eu me mostrar humana, eu seja humana demais.

Mais uma noite sem dormir. Tenho sono, mas também tenho no que pensar. As falsas certezas foram dando lugar as dúvidas sem respostas, que foram dando lugar ao desespero. Estou fazendo a coisa certa? As vezes penso que é por falta de religião, falta de Deus. Seria mais fácil se eu acreditasse em alguma coisa? Independente da religião, os que acreditam parecem mais bem resolvidos, as certezas e verdades da vida foram definidas pra eles. Não seria melhor então que eu acreditasse em mim? Na minha capacidade? De resolver problemas, de seguir em frente, de melhorar. Mas não faço nada. Nem mesmo o que eu deveria gostar de fazer, ou estar fazendo por princípios que eu mesma determinei. Talvez eu só não queira fazer. Não quero começar, porque sei que não vou terminar. Não por medo de errar, de ficar ruim, de me decepcionar, mas por medo de terminar sim, mas sozinha. Não só sozinha de gente, de amigos, de amor, mas sozinha de sorrisos, de instantes, de prazeres. Fazer por fazer, não quero. Talvez falte pensar no futuro, a longo prazo. Mas, vale a pena pensar no futuro? Será que pensando num futuro não vou viver pela metade o presente do futuro? Não quero viver pela metade esse presente de agora. É imediatismo, eu sei. Mas mesmo com poucos anos pra contar, vejo que nunca questionei o que  fazia, porque fazia. Sempre me precavi, me abstive. Ignorei tantas vezes minhas vontades, meus instintos da juventude, que aos poucos me tornei incapaz de percebê-las, ou senti-las. Enquanto sento na prancheta o sangue para de correr em minhas veias, enquanto compro um café na lanchonete da esquina já sinto a ulcera que esse vício vai me causar. Enquanto janto mais um miojo sozinha no meu quarto em frente ao computador e não sinto a diferença entre aquilo e borracha, a minha vida se vai. “Ainda sou jovem” deveria pensar, mas a juventude não é sinal de vida pela frente. Essa certeza ninguém tem, nem mesmo os religiosos. A juventude pode ser sim, sinônimo de vida vivida. De não temer a morte. Eu não temo a morte, mas temo esse estado de transição. Essa vida entorpecida, sem sentido, sem significado pra quem a vive. Sem motivo. Temo ter vivido comigo mesma por pouco tempo pra já ter desistido de mim. De não me conhecer, por nunca ter me permitido ser eu mesma. Há esperança, entretanto, se eu não gosto de mim agora, quando eu for mesmo eu, talvez eu seja uma melhor companhia.

Você não é muito bonito. Não é muito inteligente. Não é muito engraçado. Se me falassem de você, eu não ia te dar nada. Mas com você por perto, eu nem preciso, você pega de mim, sem pedir com educação.

Eu tenho tantas coisas pra perguntar pra você. Tantas coisas que eu queria te dizer. Tem tanta coisa que eu queria fazer com você. Eu planejo tanto. Aí você chega, e me responde errado, vazio, e o meu cérebro congela.